Os Cristãos e os Problemas Mentais (Parte 2)
- teleswork
- 24 de jan. de 2024
- 5 min de leitura

Era tremendamente embaraçoso contar às pessoas que eu estava deprimido quando minha vida parecia ter tanta coisa boa, amor, conforto material.
(SOLOMON, ANDREW. O Demônio do Meio Dia. p. 18)
Uma das maiores dificuldades de quem sofre com transtornos mentais com certeza, é falar para outras pessoas o que está sentindo. Essa dificuldade aumenta ainda mais, quando os ambientes de sua convivência não transmitem a segurança de que a pessoa precisa para ter coragem de se abrir sem correr o risco de julgamentos. Por isso, os consultórios de psicologia estão cada vez mais cheios e os analistas e coaches emocionais estão em evidência, enquanto a família e a igreja passam por uma crise sem precedentes no que diz respeito a saúde emocional dos seus membros.
Este fato é evidenciado pelo crescente número de situações traumáticas que envolvem o mundo cristão, divórcios, questões relacionadas a sexualidade, aborto, conflitos, disputas, depressão, suicídios entre tantas outras questões que na maioria das vezes tem uma raiz emocional, mas que é tratada de maneira estigmatizada pela família e igreja cristã. Quando vemos por exemplo, cristãos se digladiando nas redes sociais, entrando em disputas e conflitos que como advertia o apóstolo Paulo a seu discípulo Timóteo, “só produzem maior impiedade”, tendemos a pensar apenas em termos do que o próprio Paulo também disse em sua primeira carta a Timóteo, que nos últimos dias teríamos tempos difíceis, e isto simplifica o problema a um nível meramente espiritual que nos leva a um certo conformismo “profético”, de que, é algo que precisa acontecer porque está escrito. Esse tipo de pensamento tende a nos tornar insensíveis diante de um problema que está assolando os cristãos do nosso tempo, como uma erva daninha que se apropria de uma árvore e vai sugando suas energias, fazendo-a secar até que já não haja mais nada para sugar, os transtornos emocionais.
Precisamos urgentemente entender que, por traz de um cristão com dificuldades quanto a sua identidade de gênero, ou que entra em processo de divórcio, ou ainda, que tenta tirar a sua própria vida, pode estar alguém com sua saúde emocional abalada. Alguém que muito provavelmente tenha sofrido algum trauma e está padecendo com a dor, o medo, a vergonha de ser cristão e estar passando por tal situação. O pastor Max Lucado diz:
“Alguém poderia pensar que os cristãos estariam isentos de preocupação, mas não estamos. Fomos ensinados que a vida cristã é cheia de paz e, quando não temos paz, pensamos que o problema está dentro de nós. Não só nos sentimos ansiosos, mas também nos sentimos culpados em relação à nossa ansiedade! O resultado é uma espiral descendente de preocupação, culpa, preocupação, culpa. (LUCADO, 2017. p.14)
Como bem disse o pastor Max Lucado, a vida cristã não nos isenta dos problemas da vida, afinal, a promessa do evangelho é a salvação da alma e não uma vida sem problemas. O próprio Jesus disse que no mundo teríamos aflições o que significa que teríamos que lutar com todas as questões que envolvem a natureza humana. É claro que, agora temos uma ajuda especial, a do Espírito Santo. Porém, muitos ainda conservam uma visão mística da vida cristã, na qual depois de receber a Cristo, não estamos mais sujeitos aos sofrimentos desse mundo sendo estes, provocados por “brechas” que damos ao diabo quando não vigiamos. Dessa forma, muitos cristãos em sofrimento psicológico tentam vencer seus traumas sozinhos, lutando para não sucumbirem diante das dores que afligem suas almas tornando-os pessoas, ansiosas, fóbicas, agressivas, depressivas, inseguras, infiéis... quando o melhor seria, pedir ajuda, compartilhar com sua família e igreja aquilo que lhe fere, afim de serem ajudados a vencer. Mas, o medo de ser estigmatizado é um grande obstáculo para quem sofre com algum transtorno mental. Então, se para um cristão já é difícil pensar que se tem um transtorno mental, imagina só contar a alguém.
Em um trecho de uma canção secular, o cantor Renato Russo escreveu algo que exemplifica essa questão, ele disse: “por Deus nunca me vi tão só, é a própria fé o que destrói, estes são dias desleais...” é justamente esse o conflito que o cristão enfrenta quando sofre de um transtorno mental seja, ansiedade, síndrome do pânico, depressão ou qualquer outro e depois de pedir ajuda recebe a orientação de orar, jejuar, fazer campanhas... na maioria das vezes o problema até melhora, mas não desaparece, porque a raiz do problema pode estar em uma questão profunda em sua alma que surgiu por um trauma sofrido na infância ou por um complexo de inferioridade ou ainda por questões nutricionais que levam ao desajuste dos hormônios que regulam o sistema nervoso, enfim, as causas podem ser diversas, então a fé, torna-se sua “inimiga”, pois o sentimento de frustração é reforçado com pensamentos como, “minha fé não é suficiente”, “Deus não me ouve”, “não estou fazendo o suficiente”, “não há jeito para mim”, e por vezes ainda tem os parentes e os irmãos de fé ou até mesmo o último sermão do pastor que falou que sobre a vitória da fé.
Antes de começarem a me julgar e desistirem de continuar lendo o texto e aprendendo, quero aqui explicar que NÃO estou anulando o poder da fé, jamais faria isso, pois estaria contradizendo a Jesus que disse que tudo é possível ao que crer. E eu creio nessa verdade, porém, o mesmo Jesus disse, quando o filho do homem vier por ventura achará fé na terra? O que estou tentando dizer é que a fé em Jesus não é a pílula mágica
visão quase poética do ato da salvação do pecador amplamente anunciada como um ato total de redenção no qual uma nova vida lhe é oferecida como uma linda folha em branco na qual ele poderá escrever sua nova história, oferece uma perspectiva triunfalista na qual o novo crente se tornará uma espécie de “super homem” que nenhum mal poderá abatê-lo, o que contrasta drasticamente com a verdade do evangelho.
Sim, é verdade, o ato de redenção é total e também é verdade que uma nova vida é oferecida a todos os que verdadeiramente creem que Jesus é o Cristo, porém, essas verdades se aplicam ao espectro espiritual no tocante a redenção operada pelo sacrifício de Jesus que possibilita ao pecador a reconciliação com o Pai e que mediante a consciência dessa graça poderá agora viver livre da condenação e assim “escrever sua nova história” no entanto, não em uma folha em branco isolada, mas no mesmo livro que você vinha escrevendo sua vida, pois a história antiga permanece lá, com todos os acidentes e traumas e desvios. Então, o que Jesus nos oferece é a oportunidade de dar um ponto nessa história e continuar escrevendo agora, sob a sua orientação. Isto quer dizer que, embora a sua antiga história não tenha mais poder de condenação sobre sua vida, você ainda pode vez por outra ser tentado a retomar a mesma linha de pensamento das páginas anteriores, cabendo a você, manter o foco no novo caminho que o Senhor abriu para você.
Sendo assim, mesmo sendo cristãos estamos sujeitos aos sofrimentos do mundo, tanto os que carregamos da nossa história antes de Cristo, quanto àqueles que podem se abater sobre nós após nossa conversão ao Senhor. (Continua...).
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